Primeiro, o Exército fuzilou o carro de uma família no Rio. Foram mais de 80 tiros no Ford Ka em que estavam Evaldo Rosa dos Santos, a mulher, o filho, o sogro e uma amiga. Depois de matarem o músico, os militares mentiram. Alegaram que só revidaram um ataque de criminosos, matando “um dos assaltantes”. Por fim, consumada a tragédia, os governantes decidiram ficar calados.
Um Estado que encoraja o bangue-bangue e atira oito dezenas de vezes contra um inocente abriu mão de seu papel na segurança pública. A morte de Evaldo é mais um sintoma das décadas de fracasso no combate ao crime e à violência, turbinadas pelo estímulo à barbaridade das execuções extrajudiciais.
Os políticos que incluíram o incentivo à matança em seus programas de governo agora preferem o silêncio. Aqueles que soam valentes para dizer que a polícia “cancela CPFs” ou manda bandidos “para o cemitério” em suas operações não tiveram coragem de reconhecer o desastre.
Wilson Witzel, o governador que manda “mirar na cabecinha”, disse que não cabia “fazer juízo de valor ou tecer crítica”, porque sua Polícia Militar não estava envolvida no caso.
Jair Bolsonaro também fingiu que não era com ele. Jornalistas perguntaram três vezes ao porta-voz do Planalto o que o presidente achava do episódio. Nas três vezes, ele só respondeu que o governo esperava a conclusão do inquérito para que “tenhamos o caso totalmente elucidado”. Sobre o fuzilamento em si, nada.
O principal plano de políticos que se consideram rigorosos com o crime é distribuir licenças para matar. Num dia, eles sorriem ao condecorar militares e policiais que acertaram bandidos. Noutro, eles se recusam a encarar os abusos e erros cometidos sob essa autorização.
Mortes em conflito deveriam ser tratadas como exceção, não como regra. Governantes que pregam o fuzilamento como política de segurança precisam saber que o assassinato de um inocente na frente do filho de sete anos pode estar dentro do arco de consequências de seus métodos.